Para Que Serve o Professor ?

Para Que Serve o Professor ?

para que serve o professor

1084673_13023932Ao ler a respeito de casos de violências nas escolas, deparei-me com uma esfera da violência que não definiria precisamente como o máximo da impertinência… porém, sem dúvida, de uma impertinência muito significativa. Era o relato de um estudante que, para provocar seu professor, lhe disse: “ Desculpe-me, mas, na época da internet… você professor…. para que serve?

O estudante disse uma meia verdade que , mesmo entre os próprios professores, é dita há pelo menos vinte anos, qual seja a de que antigamente a escola transmitia formação e também conteúdos, desde a tabuada nas séries iniciais, qual é a capital da Espanha nas séries seguintes até os fatos da guerra dos trinta anos no ensino médio.

Com o surgimento, não apenas da internet, mas da televisão, do rádio, assim como do cinema, grande parte destes conteúdos começaram a ser absorvidas pelas crianças na esfera extra-escolar.

Quando era pequeno, meu pai não sabia que Hiroshima ficava no Japão, que Guadalcanal existia, tinha uma ideia muito imprecisa de Dresde e somente sabia da Índia o que havia lido am Salgari. Eu, que sou da época da guerra, aprendi essas coisas pelo rádio, nas notícias diárias, enquanto que meus filhos viram na televisão os fiordes noruegueses, o deserto de Gobi, como as abelhas polinizam as flores, como era um tiranossauro rex e, hoje em dia, uma criança sabe tudo sobre o ozônio, sobre os coalas, sobre o Iraque e o Afeganistão. Talvez uma criança de hoje não saiba o que sejam exatamente as células tronco, mas já ouviu falar disso enquanto que,em minha época,nem mesmo a professora de ciências naturais sabia algo a este respeito.

Então… para que servem os professores hoje em dia?

Eu disse que o estudante falava uma meia verdade porque, antes de tudo, todo docente além de informar, deve formar. O que leva uma turma a ser uma boa classe não é que sejam transmitidas datas e nomes, mas que se estabeleça um diálogo constante, um confronto de opiniões, uma discussão sobre o que se aprende na escola e o que aprende fora dela.

É certo que o que acontece no Iraque é dito pela televisão. Porém, porque isso acontece ali desde a época da civilização mesopotâmica e não no Alaska, é algo que só pode ser dito na escola. E se alguém objetasse que, às vezes, também existem pessoas que aprendem no “ Porta a Porta” ( programa televisivo italiano que discute temas da atualidade), é a escola que deve discutir o “Porta a Porta”.

Os meios de comunicação de massa informam sobre muitas coisas e também transmitem valores, mas a escola deve saber discutir a maneira como estas informações são transmitidas e avaliar o tom e a força da argumentação do que aparece em jornais,revistas e televisão. Além disso, a escola deve verificar a informação veiculada por estes meios. Por exemplo: quem, senão um professor, pode corrigir a pronúncia errada do inglês que os alunos acreditam ter aprendido pela televisão? 

1139313_53835075Aquele estudante não estava dizendo ao professor que já não necessitava dele porque agora existem o rádio e a televisão para lhe dizerem onde fica a Groenlândia ou o que é discutido sobre a fusão a frio. Ou seja, não estava lhe dizendo que seu papel era questionado por discursos isolados que circulam de maneira casual e desordenada a
cada dia em diversos veículos de informação – que saibamos muito sobre o Iraque e pouco sobre a Síria, depende da boa ou má vontade da TV. O estudante estava dizendo ao professor que hoje existe internet, a grande mãe de todas as enciclopédias, onde se pode encontrar a Síria, a fusão a frio, a guerra dos trinta anos e a discussão infinita sobre o maior dos números ímpares. Estava lhe dizendo que a informação que a Internet coloca à sua disposição é imensamente maior e inclusive mais profunda do que aquela de que dispõe o professor. E omitia um ponto importante: que a Internet lhe dá “ quase tudo”, exceto como pesquisar, filtrar, selecionar, aceitar ou descartar toda essa informação.

Armazenar uma nova informação quando se tem boa memória, é algo de que todo mundo é capaz. Porém, decidir o que é que vale ou não a pena relembrar, é uma arte sutil. Esta é a diferença entre aqueles que cursaram estudos regulares( mesmo que mal) e os autodidatas( mesmo que geniais).

selection-64197_640O mais dramático é que , muitas vezes, nem mesmo o professor sabe ensinar a arte da seleção. Ao menos, não em cada capítulo do saber. Porém, pelo menos sabe que deveria sabê-lo e, se não sabe dar instruções precisas a respeito de como selecionar a informação, pelo menos deve oferecer-se como exemplo mostrando ao aluno que se esforça por comparar e julgar tudo aquilo que a Internet coloca à sua disposição. Pode também colocar em cena , em seu cotidiano, a intenção de reorganizar sistematicamente o que a Internet lhe transmite em ordem alfabética, t dizendo-lhe que existe tamerlão e monocotiledoneas sem apresentar a relação sistemática entre estas duas noções.

O sentido desta relação somente pode ser oferecido pela escola e se esta não sabe como fazê-lo, terá que equipar-se para tal. Se não, os três Is de Internet, Inglês e Instrução continuarão sendo somente a primeira parte de um zurro de asno que não ascende ao céu.

Umberto Eco
Tradução de Júlia Eugênia Gonçalves

Júlia Eugênia Gonçalves
Júlia Eugênia Gonçalves
Psicopedagoga há 41 anos, com formação em mestrado pela UFF./RJ. Carioca, moro em Varginha/MG desde 1996, quando fui contratada pela UEMG para participar de um projeto de formação de professores, depois de ter me aposentado da rede pública federal, onde atuava como docente no Colégio Pedro II. Pertenci ao Conselho Nacional da ABPp de 1997 a 2010. Presido a Fundação Aprender, em Varginha, instituição pública de Direito Privado, sem finalidades financeiras e de utilidade pública.Atualmente tenho me especializado em EaD e suas interfaces com a Psicopedagogia.

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